É difícil observar a série "Desperate Housewives", que chega ao final de sua oitava temporada hoje às 9 da noite no canal ABC, e sugerir que este programa não conseguiria ir ao ar na televisão nos dias de hoje, mas a série enfrentou vários problemas até ser exibida lá em 2004. Desperate não é apenas um dos maiores sucessos dos anos 2000, assim como um dos mais improváveis de acordo com a mídia.
Em 2004, o formato "novela das 9" estava quase morto, bem como a carreira de vários dos atores principais da série - embora populares nas décadas de 80 (Nicollette Sheridan em "Knots Landing") e 90 (Teri Hatcher em "Lois & Clark" e Marcia Cross em "Melrose Place"), agora encontravam-se em uma idade que não interessava à televisão de hoje, tão obcecada pela juventude.
O que estava ainda mais morta? A carreira do criador da série, Marc Cherry. Ele foi o escritor principal e produtor do sucesso "The Golden Girls", e então criou mais três sitcoms que ninguém assistiu como "The 5 Mrs. Buchanans" e "Some of My Best Friends". Ele estava com problemas até para os empresários atenderem suas ligações, ainda mais para falar sobre um programa que envolveria drama, comédia e mistério sobre um assassinato. (A ideia da série surgiu de uma conversa com sua mãe. Enquanto discutia sobre o caso de Andrea Yates, uma mãe do Texas que afogou os 5 filhos, a sua própria mãe confessou, sem receio: "Já me senti assim!")
Então Cherry fez algo nunca visto antes para alguém que um dia alcançou tanto sucesso como ele: trabalhou de graça.
Ele escreveu o roteiro de "Desperate Housewives" não como parte de um contrato com alguma rede de televisão, mas para si mesmo. Após divulgar o projeto e ser rejeitado por quase todas as emissoras, acabou vendendo o roteiro para a ABC, onde os executivos ainda estavam em dúvida sobre vários aspectos da trama, inclusive o título da série. (Eles preferiam "The Secret Lives of Housewives" - A vida secreta das donas-de-casa). Porém o título original ficou e os críticos adoraram o episódio piloto, assim como o de outra série do canal que estrearia na mesma época, "Lost" - ainda estavam convencidos de que as duas séries, apesar de boas, eram muito fora dos padrões e não durariam mais que 6 episódios.
Mas o canal ABC, em mais uma decisão arriscada, colocou todo o seu investimento na divulgação dessas duas séries (em detrimento de outras como "Life As We Know It" e "Complete Savages"), e deu certo. Em sua primeira temporada, "Desperate Housewives" atingia em média 24 milhões de telespectadores toda semana.
Quatro meses após a grande estreia da serie, Marc Cherry e os atores estavam na coletiva de impressa celebrando o sucesso instantâneo. Na ocasião, ele lembrou-se de uma conversa que teve com a atriz Felicity Huffman (que neste ano venceu as colegas Teri Hatcher e Marcia Cross, levando o Emmy de Melhor Atriz de Comédia) sobre suas carreiras antes de Desperate:
"Estávamos falando pelo telefone sobre como você tem sua carreira e as pessoas nem atendem suas ligações e ainda dizem coisas ruins aos seus empresários. Aí quando chega o sucesso, você escolhe: "Eu devo sorrir e ser simpático, ou eu posso falar 'Toma, seus @*$#!'. Estou tentando ao máximo ser simpático, mas meu semblante diz 'Bem feito!' e ainda há uma parte de mim dizendo 'Espero que esses caras estejam arrependidos por terem zombado do pobre Marc Cherry'".
Cherry estava todo contente e tinha razão em estar assim, não apenas porque a série que todos rejeitaram era um sucesso, mas porque era no começo, muito boa. Não tenho o costume de assistir novelas, mas acompanhei fielmente todos os episódios das duas primeiras temporadas - a primeira porque o Cherry conseguiu com bastante sucesso reunir romance, mistério e comédia e a segunda porque estava cheio de força de vontade de dar uma segunda chance à série após uma temporada tão bem construída.
"Desperate Housewives" não é como qualquer outra série na televisão, criativamente desenvolvendo dilemas familiares mais quentes e rápidos. O mistério inicial - o suicídio inexplicado da narradora Mary Alice Young - foi a base da criação de Wisteria Lane. Alguns dos mistérios seguintes funcionaram melhores que outros, mas nenhum pareceu tão natural quanto o primeiro. E a série continua a produzir episódios até que o Cherry não sabia mais o que fazer com as personagens após quatro temporadas - conduzindo-nos a um reboot da série, avançando cinco anos no futuro onde ele poderia reinventar novas histórias.
A temporada de 2004-2005 da televisão foi uma das melhores que posso imaginar em termos de novas séries. Tivemos "Desperate Housewives" e "Lost", além de "House" (que termina em breve), "Grey's Anatomy" e "The Office" (ambas prováveis de retornarem para mais uma temporada), e a ótima porém curta "Veronica Mars".
Enquanto todas estas séries traziam elementos familiares, no geral cada uma era diferente de tudo o que havia sido produzido antes na TV americana. Acredita-se que os telespectadores querem sempre mais do mesmo e embora há evidências de que séries inovadoras e revolucionárias acabam por fracassar rapidamente, aquele foi um ano em que várias delas deram certo ao mesmo tempo. E "Desperate Housewives" foi a mais bem sucedida de todas - não apenas em termos de audiência ou qualidade, mas porque no início, Marc Cherry estava certo e todos os outros estavam errados.
Em 2004, o formato "novela das 9" estava quase morto, bem como a carreira de vários dos atores principais da série - embora populares nas décadas de 80 (Nicollette Sheridan em "Knots Landing") e 90 (Teri Hatcher em "Lois & Clark" e Marcia Cross em "Melrose Place"), agora encontravam-se em uma idade que não interessava à televisão de hoje, tão obcecada pela juventude.
O que estava ainda mais morta? A carreira do criador da série, Marc Cherry. Ele foi o escritor principal e produtor do sucesso "The Golden Girls", e então criou mais três sitcoms que ninguém assistiu como "The 5 Mrs. Buchanans" e "Some of My Best Friends". Ele estava com problemas até para os empresários atenderem suas ligações, ainda mais para falar sobre um programa que envolveria drama, comédia e mistério sobre um assassinato. (A ideia da série surgiu de uma conversa com sua mãe. Enquanto discutia sobre o caso de Andrea Yates, uma mãe do Texas que afogou os 5 filhos, a sua própria mãe confessou, sem receio: "Já me senti assim!")
Então Cherry fez algo nunca visto antes para alguém que um dia alcançou tanto sucesso como ele: trabalhou de graça.
Ele escreveu o roteiro de "Desperate Housewives" não como parte de um contrato com alguma rede de televisão, mas para si mesmo. Após divulgar o projeto e ser rejeitado por quase todas as emissoras, acabou vendendo o roteiro para a ABC, onde os executivos ainda estavam em dúvida sobre vários aspectos da trama, inclusive o título da série. (Eles preferiam "The Secret Lives of Housewives" - A vida secreta das donas-de-casa). Porém o título original ficou e os críticos adoraram o episódio piloto, assim como o de outra série do canal que estrearia na mesma época, "Lost" - ainda estavam convencidos de que as duas séries, apesar de boas, eram muito fora dos padrões e não durariam mais que 6 episódios.
Mas o canal ABC, em mais uma decisão arriscada, colocou todo o seu investimento na divulgação dessas duas séries (em detrimento de outras como "Life As We Know It" e "Complete Savages"), e deu certo. Em sua primeira temporada, "Desperate Housewives" atingia em média 24 milhões de telespectadores toda semana.
Quatro meses após a grande estreia da serie, Marc Cherry e os atores estavam na coletiva de impressa celebrando o sucesso instantâneo. Na ocasião, ele lembrou-se de uma conversa que teve com a atriz Felicity Huffman (que neste ano venceu as colegas Teri Hatcher e Marcia Cross, levando o Emmy de Melhor Atriz de Comédia) sobre suas carreiras antes de Desperate:
"Estávamos falando pelo telefone sobre como você tem sua carreira e as pessoas nem atendem suas ligações e ainda dizem coisas ruins aos seus empresários. Aí quando chega o sucesso, você escolhe: "Eu devo sorrir e ser simpático, ou eu posso falar 'Toma, seus @*$#!'. Estou tentando ao máximo ser simpático, mas meu semblante diz 'Bem feito!' e ainda há uma parte de mim dizendo 'Espero que esses caras estejam arrependidos por terem zombado do pobre Marc Cherry'".
Cherry estava todo contente e tinha razão em estar assim, não apenas porque a série que todos rejeitaram era um sucesso, mas porque era no começo, muito boa. Não tenho o costume de assistir novelas, mas acompanhei fielmente todos os episódios das duas primeiras temporadas - a primeira porque o Cherry conseguiu com bastante sucesso reunir romance, mistério e comédia e a segunda porque estava cheio de força de vontade de dar uma segunda chance à série após uma temporada tão bem construída.
"Desperate Housewives" não é como qualquer outra série na televisão, criativamente desenvolvendo dilemas familiares mais quentes e rápidos. O mistério inicial - o suicídio inexplicado da narradora Mary Alice Young - foi a base da criação de Wisteria Lane. Alguns dos mistérios seguintes funcionaram melhores que outros, mas nenhum pareceu tão natural quanto o primeiro. E a série continua a produzir episódios até que o Cherry não sabia mais o que fazer com as personagens após quatro temporadas - conduzindo-nos a um reboot da série, avançando cinco anos no futuro onde ele poderia reinventar novas histórias.
A temporada de 2004-2005 da televisão foi uma das melhores que posso imaginar em termos de novas séries. Tivemos "Desperate Housewives" e "Lost", além de "House" (que termina em breve), "Grey's Anatomy" e "The Office" (ambas prováveis de retornarem para mais uma temporada), e a ótima porém curta "Veronica Mars".
Enquanto todas estas séries traziam elementos familiares, no geral cada uma era diferente de tudo o que havia sido produzido antes na TV americana. Acredita-se que os telespectadores querem sempre mais do mesmo e embora há evidências de que séries inovadoras e revolucionárias acabam por fracassar rapidamente, aquele foi um ano em que várias delas deram certo ao mesmo tempo. E "Desperate Housewives" foi a mais bem sucedida de todas - não apenas em termos de audiência ou qualidade, mas porque no início, Marc Cherry estava certo e todos os outros estavam errados.
Por Alan Sepinwall.
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